Um grande nome na fotografia!

19/02/2010 16:44

 Na vida de todos os dias há coincidências inesperadas. Tinha escolhido uma imagem de carácter antropológico do Valter Vinagre para comentar aqui (uma fotografia terrível, de um passo de uma cerimónia religiosa nocturna e tradicional) e o Sérgio enviou-me esta que de antropológica só tem o título da série, mas que igualmente mergulha nas impressões que são armadilhadas pelo inconsciente.


Valter Vinagre tem uma longa história na Fotografia. Explora temáticas variadas, mas do que mais gosto nele é a sua aptidão para captar a estranheza do mundo e dos homens, seja com esse olhar antropológico que revela gestos e costumes de sobrevivência, seja o olhar que demora nas contradições do sujeito.

Assim, esta é uma imagem intimista. Colheu um momento preciso em que os faróis de um carro atravessam a névoa de um dia, desenham uma paisagem de indecisão que nos lembra Ingmar Bergman. O homem, sabemos, gosta do jogo de codificar e descodificar e faz disso a sua longa peregrinação para a descoberta do mundo e de si. Sabemos que é o indecifrável, o sem-nome, que o perturba e por isso mesmo transforma esse exterior que absorve como um caos indomável, num cosmos organizado e, acima de tudo, desmontável – desde a lei científica ao enquadramento de uma paisagem.

Só assim o mundo ganha coerência e o homem segurança e isonomia.

Valter Vinagre levanta, por vezes, as brechas dessa percepção ilusória. Nesta imagem o espaço mais próximo (esse próximo que se nos oferece com uma clareza absoluta na definição e no controlo, como um flash de realidade bem descodificada) contrasta com a indeterminação que nasce sob o avanço da luz dos faróis do carro.

Reconhecemos estes lugares sob um céu liso, são lugares de estranheza nos nossos sonhos e no assalto dos medos dos mitos. Não interessa que se construam com arquétipos ou imagens de filme ou ainda com uma experiência mal vivida, são lugares de passagem entre dois mundos e é esse conhecimento que ecoa da mentalidade mítica que ainda se infiltra, quase imutado, no nosso quotidiano. A figura da passagem do conhecido para o desconhecido, de um mundo para um outro, marcou a indeterminação das coisas e do saber mágico da pré-ciência. Mas permaneceu na linguagem e atravessa os tempos, fazendo alternar sucessivamente uma concepção realista por uma abstracta da arte e do saber. O realismo que regula o nosso olhar é uma simulação biológica, do corpo, para identificar o perigo do mundo, que o abstraccionismo tende a codificar para melhor o compreender.

Este mundo que Valter Vinagre nos oferece é, naturalmente, perigoso. E o perigo é o alerta de todas as sensações envoltas pelo medo.

É isso que o fotógrafo traduziu: a familiaridade exacerbada do primeiro plano, a graduação da distância conjugando as muitas concepções que a teoria nos informa para que o segredo se mantenha como segredo. E o segredo é precisamente um dos indicadores do social e do íntimo que a nossa cultura informática tende a fazer desaparecer.

Talvez por isso a Fotografia se revele como o elo entre um saber nostálgico e o saber deste nosso presente volátil.